Colheremos, o que hoje plantamos...
O texto de Rosely Sayão nos propõe uma reflexão ampliada sobre uma situação que cada vez mais incomoda a nós, professores velhos.
Jardinzinho universitário
Tive uma longa e interessante conversa com um professor universitário que há mais de 15 anos vem lecionando para os anos iniciais de diversos cursos de graduação. Ele me procurou para trocar ideias a respeito de seu trabalho porque anda atormentado com uma questão. Ultimamente, diz o professor, não se sente mais preparado para continuar a dar aulas em universidades.
Aceitei de bom grado o convite dele porque acho que quem reflete sobre o próprio trabalho em qualquer área profissional, especialmente na educacional, uma hora ou outra acaba por sentir-se dessa maneira. E é isso que possibilita novas buscas, estimulando aquilo que chamamos de formação continuada.
As questões que ele trouxe são conhecidas de muitos professores de nível superior. Nos últimos anos, os calouros têm chegado cada vez mais diferentes, se comparados aos de outros tempos. O comportamento é mais adolescente e inconsequente, menos comprometido com os estudos, mais ruidoso, mais festivo. O professor disse estar atônito com suas turmas e já não sabe como proceder. Ele tentou algumas estratégias, mas elas fracassaram. Dou um exemplo: abriu uma discussão com uma sala para buscar saber os motivos de tanta dispersão em aula. O máximo que o professor conseguiu foi um pedido para que ele fosse mais autoritário com os estudantes, tirasse de sala alguns alunos para dar o exemplo e desse aulas mais motivadoras.
Cito outra situação que deixou o professor perplexo. Em sua primeira aula do semestre, apresentou o curso sob sua responsabilidade, deu a bibliografia a ser usada, fez uma apresentação sucinta dos conceitos que seriam estudados e pesquisados e levantou algumas perguntas que serviriam como um norte para o curso. Ao final de sua fala, solicitou a participação dos alunos para comentários, dúvidas, etc. De imediato um aluno pediu a palavra e ele, silenciosamente, comemorou o fato. Ocorre que o aluno queria saber apenas se deveria anotar tudo o que ele falava ou não...
Tal como esse professor, muitos outros docentes devem sentir-se da mesma maneira: cheios de dúvidas, inseguranças, desalentos. Isso significa que as instituições de terceiro grau devem assumir seu papel na questão. Não podemos ignorar que o mundo mudou muito e que, agora, o comportamento adolescente começa cada vez mais cedo e está sem prazo para terminar. Também não precisamos nos conformar com o fato: podemos traçar projetos de trabalho, discutir e refletir a esse respeito. Os docentes não devem enfrentar de modo solitário as novas questões que os alunos trazem. É preciso estabelecer alguns princípios de trabalho que possam colaborar para a precipitação desses jovens à maturidade.
As instituições universitárias devem enfrentar a questão de forma coletiva. Mas é bom salientar que chamar os pais dos calouros para reuniões só estimula o comportamento infantilizado dos estudantes universitários. Também a escola básica precisa fazer a sua parte aqui, discutindo sobre como tem contribuído para solidificar esse quadro. Falamos muito de autonomia nos anos iniciais da educação infantil e formamos, ao final do ensino médio, jovens dependentes e carentes de compromisso com sua vida escolar. Onde estão os equívocos nesse processo?
Há muito tempo que a escola, em todos os seus níveis, deixou de ser a instituição responsável pela transmissão dos saberes; muitas outras instituições fazem isso. O papel de formação tem sido, cada vez mais, fundamental. Temos respondido a contento a essa demanda?
Rosely Sayão, psicóloga e consultora em educação, fala sobre as principais dificuldades vividas pela família e pela escola no ato de educar e dialoga sobre o dia-a-dia dessa relação. Escreve às terças na versão impressa de "Equilíbrio", na Folha de S. Paulo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário